segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Feliz Dia das Crianças!

Maria Clara Machado

Pluft


“O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de  espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana.”



“Um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e escrita.”



 A autora eternizou o valor da amizade em seus personagens. Podemos lembrar a amizade dos três marinheiros por Maribel que, mesmo diante dos obstáculos, persistiram na busca por ela:

“JULIÃO – Você ouviu?
JOÃO – (Tremendo e querendo fugir) Ouvi, sim. Vamos embora!
SEBASTIÃO – (Segurando-o) Não! Precisamos salvar a neta do grande Capitão Bonança!”
Em nossa atualidade, encontramos dificuldades de aceitar que somos feitos de pluralidade e que é justamente esta pluralidade que nos singulariza como seres humanos, ou seja, as diferenças de valores, classes, crenças e individualidades. Maria Clara entendeu que somos constituídos na diferença, por isso o fato de Pluft ser fantasma não o impediu de se relacionar com Maribel, que era humana:

“MARIBEL – (Tensa) Como é que você se chama?
PLUFT – (Tenso) Pluft. E você?
MARIBEL – Eu sou Maribel.
PLUFT – Você é gente, não é?
MARIBEL – Sou. E você?
PLUFT – Eu  sou fantasma.
MARIBEL – Fantasma, mesmo?
PLUFT – É. Fantasma mesmo. Mamãe também é fantasma.
MARIBEL – (Relaxando) Engraçado, de você eu não tenho medo!...
PLUFT – (Idem) Nem eu de você. Engraçado...”

Com essas diferenças, Pluft e Maribel se aproximam tornando-se amigos e lutando juntos para resolver o conflito. Por amizade a Maribel, Pluft perde o medo de gente, como vemos no trecho:

“PLUFT – Espera! (Pára e respira fundo) Pronto! Tomei coragem. Mamãe, mamãe... Eu vou. Eu vou ao mundo procurar os amigos de Maribel. (Entra a mãe)”.

Dessa forma, aprendemos com as crianças que a mudança da visão de mundo e do entendimento mútuo entre as pessoas, é possível e imprescindível a elas, pois os adultos que não sabiam rir nem chorar, humanizam-se, como no episódio em que Tio Gerúndio deixou-se sensibilizar por Pluft para ajudar Maribel. Ele se recorda de sua antiga amizade com o Capitão Bonança (avô de Maribel) a ponto de superar seu sono e tomar uma atitude:

“PLUFT – Tio Gerundinho, será que o seu coração, que era tão bom, já está virando teia de aranha? Tio Gerúndio, estamos querendo salvar a neta do seu amigo, o Capitão Bonança Arco-Íris!
GERÚNDIO – (Ao ouvir o nome do Capitão Bonança, Gerúndio dá um salto saindo do baú) Quem falou no meu amigo, o Capitão Bonança?”

Além disso, a autora aborda sob dois aspectos um sentimento que atormenta a maioria das crianças: o medo de crescer e o medo do outro. Isto pode ser comprovado com o medo que Pluft sentia de gente, já citado antes. Essa metáfora também simboliza transição do universo infantil para o adulto, em que é necessário enfrentar o mundo sem nenhuma proteção:

“PLUFT – (Ajoelhando-se aos pés da mãe e agarrando-se a sua saia) Lá vem ele, mamãe, lá vem ele... Que medo! que medo! que medo!...
MÃE – (Desiludida) Pluft!...
PLUFT – Mas ele é enorme, mamãe!”
Com isso, a autora inverte os papéis: ao invés do personagem Pluft provocar medo, como acontece nas tradicionais histórias infantis, em que o fantasma costuma assustar as pessoas, é Pluft que possui medo de gente, ou seja, de humanos. O medo representa um tema constante no mundo infantil, pois encontramos várias formas de medo, como na escola o medo de ler e o de se expressar diante do professor. O medo pode também assumir o caráter de preconceito e alienação frente à prática de leitura e escrita e nós como pesquisadores e educadores devemos apresentar novas propostas e estratégias de mudança.
Por isso, a valorização da solidariedade entre as pessoas, pode ser um ponto de partida para romper com a acomodação e a passividade no universo escolar. Assim como a autora Maria Clara atenta para esse valor, estudiosos da educação, como Sonia Kramer, no texto “Infância, cultura e educação”, chamam a atenção para o resgate desses valores: 

“Precisamos de escolas e espaços de educação capazes de fazer diferente; precisamos mostrar na mídia outros modelos de educação e outros modos de ser criança que também existem. (...) Espaços onde o velho sentido de eliminação do outro combinou-se de modo perverso com as novas técnicas de propaganda, persuasão e consumo. Retomemos e aprofundemos a dimensão cidadã da ação educativa e cultural. Pela emancipação e pela solidariedade, contra a barbárie.”

A generosidade e a coletividade cederam seu espaço, na sociedade atual, para a individualidade:

“MÃE – (Procurando de gatinhas os óculos e o tricô) Pluft, você quer apanhar? 
Como é que eu posso acabar o meu tricô para os fantasminhas pobres, se você não 
me deixa trabalhar? (A mãe volta à cadeira bufando e Pluft volta para a janela
pensativo).”

Maria Clara Machado revelou que o teatro infantil pode ser criativo e fazer com que a criança assuma seu próprio ponto de vista. A sensibilidade infantil permite uma compreensão múltipla do mundo, essencial tanto para as crianças quanto para os adultos. Pluft, o fantasminha é uma peça que une a estética e a pedagogia investindo no lúdico como um instrumento essencial no desenvolvimento da criança.
Dessa forma, compreendemos que o texto infantil de Maria Clara indica a leitura como prática social para que as crianças não sejam somente alfabetizadas, mas letradas, incentivadas a construírem suas próprias críticas. Devido a isso, as crianças tornaram-se leitoras vendo Pluft, pois, o contato com o texto escrito estimula uma maior produção de sentidos. Dramaturgia que convida a ler, a participar e a querer construir um mundo imaginário instaurado através do olhar dos pequenos. O teatro infantil de Maria Clara fez leitores e fará outros.