segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Semana das Crianças

Maria Clara Machado



Pluft, o fantasminha - fragmento
(Maria Clara Machado)


1. (Cenário: um sótão. À direita, uma janela dando para fora, de onde se avista o céu. No meio, encostado à parede do fundo, um baú. Uma cadeira de balanço. Cabides onde se vêem, pendurados, velhas roupas e chapéus. Coisas de marinha. Cordas, redes. O retrato velado do Capitão Bonança. À esquerda, a entrada do sótão.
Ao abrir o pano, a Senhora Fantasma faz tricô, balançando-se na cadeira, que range compassadamente. Pluft, o fantasminha, brinca com um barco. Depois larga o barco e pega uma velha boneca de pano. Observa-a por algum tempo.)

2. PLUFT: - Mamãe!

3. MÃE: - O que é, Pluft?

4. PLUFT: (sempre com a boneca de pano) – Mamãe, gente existe?

5. MÃE: - Claro, Pluft, claro que gente existe.

6. PLUFT: - Mamãe, eu tenho tanto medo de gente! (Larga a boneca.)

7. MÃE: - Bobagem, Pluft.

8. PLUFT: - Ontem passou lá embaixo, perto do mar, e eu vi.

9. MÃE: - Viu o quê, Pluft?

10. PLUFT: - Vi gente, mamãe. Só pode ser. Três.

11. MÃE: - E você teve medo?

12. PLUFT: - Muito, mamãe.

13. MÃE: - Você é bobo, Pluft. Gente é que tem medo de fantasma e não fantasma que tem medo de gente.

14. PLUFT: - Mas eu tenho.

15. MÃE: - Se seu pai fosse vivo, Pluft, você apanharia uma surra com esse medo bobo. Qualquer dia desses eu vou te levar ao mundo para vê-los de perto.

16. PLUFT: - Ao mundo, mamãe?!

17. MÃE: - É, ao mundo. Lá embaixo, na cidade...

18. PLUFT: (Muito agitado, vai até a janela. Pausa.) - Não, não, não. Eu não acredito em gente, pronto...

19. MÃE: - Vai sim, e acabará com essas bobagens. São histórias demais que o tio Gerúndio conta para você.

20. PLUFT: (Pluft corre até um canto e apanha um chapéu de almirante.) - Olha, mamãe, olha o que eu descobri! O que é isto?!

21. MÃE: - Isto tio Gerúndio trouxe do mar.

22. (Pluft, fora de cena, continua a descobrir coisas, que vai jogando em cena: panos, roupas, chapéus etc.)

23. PLUFT: - Por que tio Gerúndio não trabalha mais no mar, hem, mamãe?
24. MÃE: - Porque o mar perdeu a graça para ele...

25. PLUFT: (Sempre remexendo, descobre um espartilho de mulher) – E isto, mamãe, (aparecendo) que é isso? Ele trouxe isto também do mar? (Coloca o espartilho na cabeça e passeia em volta da mãe.)

26. MÃE: - Pluft, chega de remexer tanto nas coisas...

27. PLUFT: (larga o espartilho no chão e passeia na cena à procura do que fazer) – Vamos brincar, tá bem? Finge que eu sou gente. (Veste-se de fraque e de cartola.)

28. MÃE: (sem vê-lo) Chega de desordem, meu filho. Você acaba acordando tio Gerúndio. (Ela olha para o baú.)

29. PLUFT: (pé ante pé, chega por detrás da cadeira da mãe e grita) – Uuuuh! (A mãe leva um grande susto e deixa cair as agulhas de tricô.) Eu sabia! Eu sabia que você também tinha medo de gente. Peguei! Peguei! Peguei mamãe com medo de gente... peguei mamãe com medo de gente!

30. MÃE: (procurando de gatinhas os óculos e o tricô) – Pluft, você quer apanhar? Como é que eu posso acabar o meu tricô para os fantasminhas pobres, se você não me deixa trabalhar? (A mãe volta à cadeira bufando e Pluft volta à janela pensativo.)

31. PLUFT: - Eu não iria nem a pau.

32. MÃE: - Onde , Pluft?

33. PLUFT: - Trabalhar no mar. Tenho medo de gente e de mar também. É muito grande e azul demais... (De repente Pluft se assusta.) Oh! (Corre até a mãe, sem voz, e torna à janela.) Mamãe, olha lá. Iiiiiih... Estão vindo! (Corre e senta-se no colo da mãe.) Mamãe, mamãe, acode!! Eles estão vindo... vindo do mar... e subindo a praia.

(Fragmento da peça teatral “Pluft, o fantasminha” de Maria Clara Machado)