segunda-feira, 21 de maio de 2012

Charles Bukowski

bukowski-rosto

Se vai tentar
siga em frente.

Senão, nem começe!
Isso pode significar perder namoradas
esposas, família, trabalho...e talvez a cabeça.

Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...

A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.

Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.

domingo, 8 de abril de 2012

Fernando Pessoa

 
Páscoa - O Menino Jesus

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
e eu levo-o ao colo para casa.
.............................................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?
(Alberto Caeiro.)

terça-feira, 20 de março de 2012

Letras & Linhas: Biografias

Letras & Linhas: Biografias: Oscar Wilde Oscar Wilde nasceu em 16 de outubro de 1854 em Dublin, Irlanda. Filho de William Robert Wilde, cirurgião-oculista que ser...

domingo, 18 de março de 2012

Oscar Wilde

Ravenna

I

Há um ano respirei o ar italiano,

E ainda, esta Primavera boreal parece-me ser límpido

E estes campos feitos dourados como a flor de março

E pássaros a cantar no lariço repleto de plumas,

Sonoras gralhas-calvas e rolinhas irrequietas:

Pequeninas nuvens a percorrer o éter;

E a formosa copa gentil desfalecida da violeta,

A prímula, empalidecida por um desconfortável amor

A rosa que rebenta no arbusto espinhoso

Um leito de açafrão (que mais parece uma lua em chamas

Encerrada em uma aliança púrpura);

E todas as flores de nossa Primavera Inglesa,

Carinhoso Galanthus, o narciso de brilho estelar.

Lá no alto começa a travessura ladeando o tear murmurante,

E dilacera as teias da tristeza;

E desce esse rio, feito uma chama azul,

Audaz como uma flecha que voa o oceano-rei

Enquanto o pintarroxo canta na floresta frondosa.

Um ano atrás – parece pouco

Desde a última vez que vi o nobre clima do sul,

Onde a flor e o fruto se enobrecem à esplendorosa lufada,

E como lâmpadas luminosas as maçãs de fábulas se acendem.

Cheia de Primavera que estava – pelas vinhas floridas

Em sombrios bosques verde-oliva e nobres florestas de pinheiros

Eu fui até o desejo, onde a mais ardente feliz brisa era doce;

A estrada pálida rangeu sob as patas do meu cavalo,

E meditando no antigo nome de Ravenna,

Eu observei o dia lavrar, sinalizado com as chagas das chamas,

De um céu turquesa para lustrar o ouro que foi formado.

Oh, meu coração ardia com paixões da meninice,

Quando longe através dos campos e ainda mais

Eu vi a Terra Santa ascender óbvia,

Coroada com sua coroa de torres! – Por muito tempo

Galopei, corri no crepúsculo

E outrora passei o carmesim no arrebol da tarde,

E finalmente estava dentro dos muros de Ravenna!

sábado, 3 de março de 2012

Mário Quintana

...Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importante para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas aí já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século, esse tempo todo não é suficiente para realizarmos
todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer o que tem de ser dito...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas
as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Friedrich Nietzsche



Assim Falava Zaratustra


V

Pronunciadas estas palavras, Zaratustra tornou a olhar o povo, e calou-se. “Riem-se — disse o seu coração. — Não me compreendem; a minha boca não é a boca que estes ouvidos necessitam.
Terei que principiar por lhes destruir os ouvidos para que aprendam a ouvir com os olhos? Terei que atroar à maneira de timbales ou de pregadores de Quaresma? Ou só acreditarão nos gagos?
De qualquer coisa se sentem orgulhosos. Como se chama então, isso de que estão orgulhosos? Chama-se civilização: é o que se distingue dos cabreiros.
Isto, porém, não gostam eles de ouvir, porque os ofende a palavra “desdém”.
Falar-lhes-ei, portanto, ao orgulho.
Falar-lhes-ei do mais desprezível que existe, do último homem.
E Zaratustra falava assim ao povo:
“É tempo que o homem tenha um objetivo.
É tempo que o homem cultive o germe da sua mais elevada esperança.
O seu solo é ainda bastante rico, mas será pobre, e nele já não poderá medrar nenhuma árvore alta.
Ai! aproxima-se o tempo em que o homem já não lançará por sobre o homem a seta do seu ardente desejo e em que as cordas do seu arco já não poderão vibrar.
Eu vo-lo digo: é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.
Eu vo-lo digo: tendes ainda um caos dentro de vós outros.
Ai! Aproxima-se o tempo em que o homem já não dará a luz às estrelas; aproxima-se o tempo do mais desprezível dos homens, do que já se não pode desprezar a si mesmo.
Olhai! Eu vos mostro o último homem.
Que vem a ser isso de amor, de criação, de ardente desejo, de estrela? — pergunta o último homem, revirando os olhos.
A terra tornar-se-á então mais pequena, e sobre ela andará aos pulos o último homem, que tudo apouca. A sua raça é indestrutível como a da pulga; o último homem é o que vive mais tempo.
“Descobrimos a felicidade” — dizem os últimos homens, e piscam os olhos.
Abandonaram as comarcas onde a vida era rigorosa, porque uma pessoa necessita calor. Ainda se quer ao vizinho e se roçam pelo outro, porque uma pessoa necessita calor.
Enfraquecer e desconfiar parece-lhes pecaminoso; anda-se com cautela. Insensato aquele que ainda tropeça com as pedras e com os homens!
Algum veneno uma vez por outra, é coisa que proporciona agradáveis sonhos. E muitos venenos no fim para morrer agradavelmente.
Trabalha-se ainda porque o trabalho é uma distração; mas faz-se de modo que a distração não debilite.
Já uma pessoa se não torna nem pobre nem rica; são duas coisas demasiado difíceis. Quem quererá ainda governar? Quem quererá ainda obedecer? São duas coisas demasiado custosas.
Nenhum pastor, e só um rebanho! Todos querem o mesmo, todos são iguais: o que pensa de outro modo vai por seu pé para o manicômio.
“Noutro tempo toda a gente era doida” — dizem os perspicazes, e reviram os olhos.
É-se prudente, e está-se a par do que acontece: desta maneira pode-se zombar sem cessar. Questiona-se ainda, mas logo se fazem as pazes; o contrário altera a digestão.
Não falta um pouco de prazer para o dia e um pouco de prazer para a noite; mas respeita-se a saúde.
“Descobrimos a felicidade” — dizem os últimos homens — e reviram os olhos”.
Aqui acabou o primeiro discurso de Zaratustra, — que também se chama preâmbulo — porque neste ponto foi interrompido pelos gritos e pelo alvoroço da multidão. “Dá-nos esse último homem, Zaratustra — exclamaram — torna-nos semelhantes a esses últimos homens! perdoar-te-emos o Super-homem”.
E todo o povo era alegria. Zaratustra entristeceu e disse consigo:
“Não me compreendem; não. Não é da minha boca que estes ouvidos necessitam.
Vivi demais nas montanhas, escutei demais os arroios e as árvores, e agora falo-lhes como um pastor.
A minha alma é sossegada e luminosa como o monte pela manhã; mas eles julgam que sou um frio e astuto chocareiro.
Ei-los olhando-me e rindo-se, e enquanto se riem, continuam a odiar-me. Há gelo nos seus risos”.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Friedrich Nietzsche


Assim Falava Zaratustra

PRIMEIRA PARTE

PREÂMBULO DE ZARATUSTRA

I

Aos trinta anos apartou-se Zaratustra da sua pátria e do lago da sua pátria, e foi-se até a montanha. Durante dez anos gozou por lá do seu espírito e da sua soledade sem se cansar. Variaram, porém, os seus sentimentos, e uma manhã, erguendo-se com a aurora, pôs-se em frente do sol e falou-lhe deste modo:
“Grande astro! Que seria da tua felicidade se te faltassem aqueles a quem iluminas? Faz dez anos que te abeiras da minha caverna, e, sem mim, sem a minha águia e a minha serpente, haver-te-ias cansado da tua luz e deste caminho.
Nós, porém, esperávamos-te todas as manhãs, tomávamos-te o supérfluo e bemdizíamos-te.
Pois bem: já estou tão enfastiado da minha sabedoria, como a abelha que acumulasse demasiado mel. Necessito mãos que se estendam para mim.
Quisera dar e repartir até que os sábios tornassem a gozar da sua loucura e os pobres da sua riqueza.
Por isso devo descer às profundidades, como tu pela noite, astro exuberante de riqueza quando transpões o mar para levar a tua luz ao mundo inferior.
Eu devo descer, como tu, segundo dizem os homens a quem me quero dirigir.
Abençoa-me, pois, olho afável, que podes ver sem inveja até uma felicidade demasiado grande!
Abençoa a taça que quer transbordar, para que dela manem as douradas águas, levando a todos os lábios o reflexo da tua alegria!
Olha! Esta taça quer de novo esvaziar-se, e Zaratustra quer tornar a ser homem”.
Assim principiou o caso de Zaratustra.