terça-feira, 17 de maio de 2011

Castro Alves


 O Navio Negreiro


III
       
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!   
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano   
Como o teu mergulhar no brigue voador!   
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!   
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...   
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!   
   
IV
        
Era um sonho dantesco... o tombadilho    
Que das luzernas avermelha o brilho.   
Em sangue a se banhar.   
Tinir de ferros... estalar de açoite...    
Legiões de homens negros como a noite,   
Horrendos a dançar...   
Negras mulheres, suspendendo às tetas    
Magras crianças, cujas bocas pretas    
Rega o sangue das mães:    
Outras moças, mas nuas e espantadas,    
No turbilhão de espectros arrastadas,   
Em ânsia e mágoa vãs!   
E ri-se a orquestra irônica, estridente...   
E da ronda fantástica a serpente    
Faz doudas espirais ...   
Se o velho arqueja, se no chão resvala,    
Ouvem-se gritos... o chicote estala.   
E voam mais e mais...   
Presa nos elos de uma só cadeia,    
A multidão faminta cambaleia,   
E chora e dança ali!   
Um de raiva delira, outro enlouquece,    
Outro, que martírios embrutece,   
Cantando, geme e ri!   No entanto o capitão manda a manobra,   
E após fitando o céu que se desdobra,   
Tão puro sobre o mar,   
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:   
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!   
Fazei-os mais dançar!..."   
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .   
E da ronda fantástica a serpente   
          Faz doudas espirais...   
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...   
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!   
          E ri-se Satanás!...