domingo, 7 de novembro de 2010

Fernando Pessoa


Nada Fica

Nada fica de nada. Nada somos. 
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos 
Da irrespirável treva que nos pese 
Da humilde terra imposta, 
Cadáveres adiados que procriam. 

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas — 
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes 
A que um íntimo sol dá sangue, temos 
Poente, por que não elas? 
Somos contos contando contos, nada.

Ricardo Reis

O heterónimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simboliza a herança clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia e num certo bucolismo, com elementos epicuristas e estóicos. O fim inexorável de todos os seres vivos é uma constante na sua obra, clássica, depurada e disciplinada. Faz uso da mitologia não-cristã.
Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte.
Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago continua, numa perspectiva pessoal, o universo deste heterónimo após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterónimo, sobrevivente ao criador.