quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Jorge Amado



Jubiabá

Antônio Balduíno ficava em cima do morro vendo a fila de luzes que era a cidade embaixo. Sons de violão se arrastavam pelo morro mal a luz aparecia [...] vivia metido num camisolão azul sempre sujo de barro, com o qual corria pelas ruas e becos enlameados do morro, brincando com os outros meninos da mesma idade. Apesar dos seus oito anos, Antônio Balduíno já chefiava as quadrilhas de moleques que vagabundeavam pelo Morro do Capa-Negro e morros adjacentes. Porém à noite não havia brinquedo que o arrancasse da contemplação das luzes que se acendiam na cidade tão próxima e tão longínqua. 


(...)Antônio Balduíno agora era livre na cidade religiosa da Bahia de Todos os Santos e do pai de santo Jubiabá. Vivia a grande aventura da liberdade. Sua casa era a cidade toda, seu emprego era corrê-la. O filho do morro pobre é hoje o dono da cidade. Cidade religiosa, cidade colonial, cidade negra da Bahia. Igrejas suntuosas bordadas de ouro, casas de azulejos azuis, antigos sobradões onde a miséria habita, ruas e ladeiras calçadas de pedras, fortes velhos, lugares históricos, e o cais, principalmente o cais, tudo pertence ao negro Balduíno. Só ele é o dono da cidade porque só ele a conhece toda, sabe de todos os seus segredos, vagabundeou em todas as suas ruas, se meteu em quanto barulho, em quanto desastre aconteceu na cidade. Ele fiscaliza a vida da cidade que lhe pertence. Esse é o seu emprego. Olha todos os movimentos, conhece todos os valentes da cidade, vai às festas líricas, recebe e embarca os viajantes de todos os navios. [...] come a comida dos restaurantes mais caros, anda nos automóveis mais luxuosos, mora nos mais novos arranha-céus. E pode se mudar a qualquer momento. E como é dono da cidade não paga a comida, nem o automóvel, nem o apartamento.


Publicado no Rio de Janeiro em 1935, gira em torno de Antônio Balduíno e não da personagem-título. O herói, moleque de morro em Salvador, torna-se sucessivamente lutador de boxe, lavrador, artista de circo e operário. Com ele contracenam Jubiabá, pai-de-santo,e conselheiro, e Lindinalva, moça branca por quem se apaixona e que mais tarde reencontra nas piores condições, seduzida e abandonada pelo advogado Barreiras.