Soneto
A cada canto um grande conselheiro.
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um frequentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.
Biografia
Poeta barroco brasileiro, nasceu em Salvador/BA, em 20/12/1623 e morreu em Recife/PE em 1696. Foi contemporâneo do Pe. Antônio Vieira. Amado e odiado, é conhecido por muitos como "Boca do Inferno", em função de suas poesias satíricas, muitas vezes trabalhando o chulo em violentos ataques pessoais. Influenciado pela estética, estilo e sintaxe de Gôngora e Quevedo, é considerado o verdadeiro iniciador da literatura brasileira.
De família abastada (seu pai era proprietário de engenhos), pôde estudar com os jesuítas em Salvador. Em 1650, com 14 anos, abala para Portugal, formando-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1661. É nomeado juiz-de-foro em Alcácer do Sal (Alentejo) em 1663. Em 1672 torna-se procurador de Salvador junto à administração lisboeta.
Volta ao Brasil pouco depois de 1678. Quarentão e viúvo, tenta acomodar-se novamente na sociedade brasileira, tarefa impossível. Apesar de investido em funções religiosas, não perdoa o clero nem o governador-geral (apelidado "Braço de Prata" por causa de sua prótese) com seu sarcasmo. Mulherengo, boêmio, irreverente, iconoclasta e possuidor de um legendário entusiasmo pelas mulatas, pôs muita autoridade civis e religiosas em má situação, ridicularizando-as de forma impiedosa.
Provocando a ira de um parente próximo do governador-geral do Brasil, foi embarcado à força para Angola (1694), pois corria risco de vida. Na África, curte a dor do desterro, espanta-se diante dos animais ferozes, intriga-se com a natureza, dá vazão ao seu racismo e se arrisca à perda da identidade. Sua chegada à Luanda coincide com uma crise econômica e com uma revolta da soldadesca portuguesa local. Gregório interferiu, pacificou o motim, acalmou (ou traiu?) os revoltosos e, como prêmio, voltou para o Brasil, para o Recife, onde terminaria seus dias.
Sua obra poética apresenta duas vertentes: uma satírica (pela qual é mais conhecido) que, não raro, apresenta aspectos eróticos e pornográficos; outra lírica, de fundo religioso e moral.
Ao contrário de Vieira, Gregório não se envolveu com questões magnas, afetas à condução da política em curso: não lhe interessavam os índios, mas as mulatas; não o aborreciam os holandeses, mas os portugueses; não cultivou a política, mas a boêmia; não "fixou a sintaxe vernácula", mas engordou o léxico; não transitou pelas cortes européias, mas vagabundeou pelo Recôncavo.
É uma espécie de poeta maldito, sempre ágil na provocação, mas nem por isso indiferente à paixão humana ou religiosa, à natureza, à reflexão e, dado importante, às virtualidades poéticas duma língua européia recém-transplantada para os trópicos. Ridicularizando políticos e religiosos, zombando da empáfia dos mulatos, assediando freiras e mulatas, ou manejando um vocabulário acessível e popular, o poeta baiano abrasileirou o barroco importado: seus versos são um melting pot poético, espelho fiel de um país que se formava.
Poemas
beija-Flor
Anjo bento
Senhora Dona Bahia
Descrevo que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia
Finge que defende a honra da cidade e aponto os vícios
Define sua cidade
A Nossa Senhora da Madre de Deus indo lá o poeta
Ao mesmo assunto e na mesma ocasião
Ao braço do mesmo Menino Jesus quando appareceo
A NSJC com actos de arrependido e suspiros de amor
Ao Sanctissimo Sacramento estando para comungar
A S. Francisco tomando o poeta o habito de terceyro
No dia em que fazia anos
impaciência do poeta
Buscando a cristo
Soneto - Carregado de mim ando no mundo,
Soneto I - À margem de uma fonte, que corria
Soneto II - Na confusão do mais horrendo dia
Soneto III - Ditoso aquele, e bem-aventurado
Soneto IV - Casou-se nesta terra esta e aquele
Soneto V - Bote a sua casaca de veludo,
Soneto VI - A cada canto um grande conselheiro
Triste bahia
Finalmente, o que muitos não devem saber é que Gregório também é considerado antecedente do nosso cancioneiro, pois fazia "versos à lira", apoiando-se em violas de arame para compor solfas e lundus. O lundu, criado nas ruas, tinha ritmo agitado e sincopado, e melodia simples com resquícios modais, sendo basicamente negro. Do lundu vieram o chorinho, o samba, o baião, as marchinhas e os gêneros de caráter ritmado e irreverente.