terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Antero de Quental

Tese e Antítese

I

Já não sei o que vale a nova idéia,

Quando a vejo nas ruas desgrenhada,

Torva no aspecto, à luz da barricada,

Como bacante após lúbrica ceia!

 

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia

Aspira fumo e fogo embriagada…

A deusa de alma vasta e sossegada

Ei-la presa das fúrias de Medéia!

 

Um século irritado e truculento

Chama à epilepsia pensamento,

Verbo ao estampido de pelouro e obus…

 

Mas a idéia é num mundo inalterável,

Num cristalino céu, que vive estável…

Tu, pensamento, não és fogo, és luz!

 

II

Num céu intemerato e cristalino

Pode habitar talvez um Deus distante,

Vendo passar em sonho cambiante

O Ser, como espetáculo divino:

 

Mas o homem, na terra onde o destino

O lançou, vive e agita-se incessante…

Enche o ar da terra o seu pulmão possante…

Cá da terra blasfema ou ergue um hino…

 

A idéia encarna em peitos que palpitam:

O seu pulsar são chamas que crepitam,

Paixões ardentes como vivos sóis!

 

Combatei pois na terra árida e bruta,

Té que a revolva o remoinhar da luta,

Té que a fecunde o sangue dos heróis!