quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Antero de Quental

Hino à Razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Palavras dum certo morto

Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…

Só o espírito vive: vela absorto
Num fixo, inexorável pensamento:
“Morto, enterrado na vida!” o meu tormento
É isto só … do resto não me importo…

Que vivi sei-o bem … mas foi um dia,
Um dia só – no outro, a idolatria
Deu-me um altar e um culto … ai! adoram-me,

Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Pudesse ser alguém! – logo em seguida
Disseram que era um Deus … e amortalharam-me!