sexta-feira, 29 de abril de 2011

William Shakespeare


Romeu e Julieta

Cena III

O mesmo. Um quarto em casa de Capuleto. Entram a senhora Capuleto e a ama.
     SENHORA CAPULETO — Ama, onde está Julieta? Vai chamá-la
     AMA — Por minha virgindade quando eu tinha doze anos: já a chamei. Minha ovelhinha. Vem cá, meu coração! Deus me perdoe, mas onde está a menina? Oh, Julieta!
(Entra Julieta.)
     JULIETA — Que é que houve? Quem me chama?
     AMA — Vossa mãe.
     JULIETA — Senhora, aqui estou eu. Que desejais?
     SENHORA CAPULETO — Eis o assunto... Ama, deixa-nos sozinhas por algum tempo. Tenho de falar-lhe muito em particular. Não, ama: volta! Lembrei-me agora que é preciso que ouças nossa conversa, pois há muito tempo conheces minha filha.
     AMA — É certo, posso dizer que idade tem, hora por hora.
     SENHORA CAPULETO — Tem quatorze anos incompletos.
     AMA — Jogo quatorze de meus dentes – muito embora, para minha aflição, só tenha quatro – em como não fez ainda quatorze anos. Para um de agosto quanto falta ainda?
     SENHORA CAPULETO — Uma quinzena e pouco.
     AMA — Pouco ou muito, não importa. O que é certo é que no dia um de agosto completa quatorze anos. Ela e Susana – Deus ampare as almas cristãs! – eram da mesma idade. Bem; Susana está com Deus. Mas, como disse: na noite de primeiro ela completa quatorze anos. É certo: quatorze anos. Lembro-me bem. Desde o tremor de terra, onze anos se passaram. Desmamada foi nesse tempo; nunca hei de esquecê-lo, pois nos seios passado havia losna, sentada ao sol, embaixo do pombal. Vós e o patrão em Mântua vos acháveis – Oh! que memória a minha! – Mas, como ia dizendo: quando ela sentiu o gosto de losna no mamilo e o achou amargo – coisinha tola! – como ficou brava! como bateu nos seios! Nisso, "Crac!" fez o pombal. Não foi preciso mais para eu mexer-me. Já se passaram, desde então, onze anos. De pé, sozinha, ela já então ficava. Sim, pela Santa Cruz, podia mesmo correr a cambalear por toda a casa, pois no dia anterior ferira a testa. Foi quando meu marido – Deus conserve sempre sua alma! Era de gênio alegre – levantou a menina. "Sim", disse ele, "caís agora de frente? Pois de costas cairás, quando tiveres mais espírito. Não é, Julu?" E, pela Santa Virgem, parando de chorar, a pirralhinha respondeu: "Sim". Uma pilhéria fina verti sempre a tempo. Juro que ainda mesmo que mil anos eu viva, jamais hei de me esquecer do episódio. Perguntou-lhe: "Não é, Julu?" E aquela pirralhinha parando de chorar, respondeu: "Sim".
     SENHORA CAPULETO — Sobre isso, basta. Fica quieta, peço-te.
     AMA — Pois não, senhora; mas não me é possível deixar de rir, ao recordar como ela interrompeu o choro e disse "Sim". No entretanto, crescera-lhe na testa, jurar posso. um calombo grande como testículo de galo. Que pancada! E ela chorava amargamente. "É certo", disse-lhe meu marido; "cais de frente, não é assim? Mas vais cair de costas, quando fores maior. Não é, Julu?" E ela, já sem chorar, respondeu: "Sim".
     JULIETA — Então pára também, ama; é o que peço.
     AMA — Bem, já acabei. Que Deus te tenha em graça. Foste a criança mais linda que eu criei. Se algum dia eu puder ver-te casada, é tudo o que desejo.
     SENHORA CAPULETO — Pois foi para falar em casamento que te chamei. Filha Julieta, dize-me: em que disposição estás para isso?
     JULIETA — É uma honra com a qual jamais sonhei.
     AMA — Honra! Se não tivesses tido apenas uma ama, afirmaria que, com o leite, tinhas mamado juízo.
     SENHORA CAPULETO — Pois estamos na época de pensar em casamento. Mais jovens do que vós, aqui em Verona, senhoras de respeito, já são mães. Se não me engano, vossa mãe tornei-me com a mesma idade em que ainda sois donzela. Para ser breve: o valoroso Páris requesta vosso amor.
     AMA — Que homem, menina! Um homem desses... Não... Em todo o mundo... Só feito de encomenda.
     SENHORA CAPULETO — A primavera de Verona não tem mais bela flor.
     AMA — Sim, uma flor! A verdadeira flor.
     SENHORA CAPULETO — Que dizeis? Sois capaz de amar o jovem? Hoje à noite vê-lo-eis em nossa festa. Folheai o livro de seu jovem rosto, que nele encontrareis doces encantos escritos pela pena da beleza. Examinai-lhe os traços delicados e vede como se acham bem casados. E se no livro achardes algo obscuro, encontrareis nos olhos o esconjuro. Esse manual de amor só necessita de uma capa adequada e bem bonita. Vive no mar o peixe; é muito certo que deva o amor ficar algo encoberto. As letras de ouro da lombada a glória terão em parte da formosa história. Ficareis, pois, com ele associada sem que vos diminuais, com isso, em nada.
     AMA — Oh! não diminuirá. Pelo contrário; as mulheres com os homens sempre aumentam.
     SENHORA CAPULETO — Enfim, que me dizeis do amor de Páris?
     JULIETA — Vou ver se prendo nele os meus olhares. Mas a vista chegar além não há de do que me consentir vossa vontade.
(Entra um criado.)
     CRIADO — Senhora, os hóspedes já chegaram; a comida está na mesa; estais sendo procurada; reclamam a presença da senhorita; na copa amaldiçoam a ama. Tudo está de pernas para o ar. Tenho de voltar para servir. Por obséquio, vinde logo, vinde logo.
     SENHORA CAPULETO — Já te sigo. Julieta, o conde espera.
     AMA — Belas noites te almejo; sou sincera.
(Saem.)